2 de julho de 2012

Preconceito Lingüístico

Marcos Bagno


 
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 21. ed. São Paulo: Loyola, 1999.

A princípio, a gramática normativa tradicional, tratada como se fosse a própria língua portuguesa em si, tem sido imposta como única forma aceitável da língua, dando margem ao severo poder opressor do preconceito lingüístico. Em uma sociedade que, pelo menos externamente, abomina o preconceito, é de se espantar que uma das formas desse mal seja tão praticada e propagada na atualidade: a forma lingüística.

Marcos Bagno, em seu livro “Preconceito lingüístico: o que é, como se faz”, trata sobre isto e narra sobre esta forma de  exclusão social,  suas causas e efeitos, e questiona esta prática, ou seja este tipo de preconceito.  

O livro é dividido em quatro partes:  quebra do preconceito lingüístico, primeiro prestando-se à desmistificação deste, em seguida, mostrando suas conseqüências, prosseguindo com elucidações sobre como desfazê-lo, e finalizando com a explicação do preconceito contra a Lingüística e os lingüistas. Ele assume que tratar de língua é tratar de política, e que não há como tratar de política sem se levar em conta uma postura teórica definida, portanto, parcial, e almeja que seu trabalho incite reflexões sobre a intolerância lingüística da sociedade brasileira.

Na primeira parte, a metáfora “mitologia do preconceito lingüístico”, empregada por ele para referir-se ao conjunto de opiniões que sustentam o preconceito, contém uma direta crítica que desta maneira classifica tais posturas como falaciosas, fantásticas. Separando os “mitos” em oito capítulos, Bagno discorre sobre cada um deles.

O primeiro trata de uma hipotética unidade na língua portuguesa falada no Brasil, uma vez que se confunde o fato de a língua oficial do Brasil ser a portuguesa com a afirmação sobre não haver variedades nesta, quando o que ocorre é exatamente o contrário. Ele encara este preconceito como o mais sério, pois, apoiada neste mito, a escola tenta impor como correta uma norma que não é verdadeiramente própria ao país como um todo,

desconsiderando a origem geográfica, condição sócio-econômica e grau de escolaridade dos alunos. O autor explicita dizendo que os Parâmetros Curriculares Nacionais não portam esse erro, pregando o respeito à diversidade lingüística nacional, e espera que a inovação seja vivenciada em breve.

O segundo mito, que afirma que “o brasileiro não sabe falar português”, e que “só em Portugal se fala bem português”, reflete, segundo ele, o ainda presente complexo de inferioridade nacional, como se até hoje o Brasil fosse colônia de Portugal. Lamenta-se muitas vezes que o brasileiro “corrompa” a língua portuguesa, com queixas freqüentes também à invasão de galicismos e anglicismos. Bagno afirma que além de tais incorporações não prejudicarem uma língua, os verdadeiros motivos delas não são combatidos, pois eles decorrem mais da dependência político-econômica do Brasil em relação aos centros de poder mundial do que da opção arbitrária da população. Ele esclarece que a diferença entre o português falado em Portugal e no Brasil é uma verdade que os defensores desse mito não compreendem. Marcos Bagno, além de evidenciar estas diferenças, mostra que os portugueses cometem suas próprias infrações contra a gramática normativa, diferentes das cometidas aqui; portanto, se houvesse uma língua pura, nem mesmo em Portugal ela seria amplamente falada.

Em terceiro lugar, vem o mito: “Português é muito difícil”, uma conseqüência do segundo. O autor o desmente facilmente, alegando que qualquer criança de três a quatro anos de idade já é uma falante competente de sua língua materna, tendo internalizado a gramática de sua língua, e precisando do estudo (escrita e leitura) apenas para dominar particularidades desta estrutura básica. Trata-se de uma conseqüência do segundo mito no sentido de que se o brasileiro acha difícil aprender estas particularidades, é porque o ensino insiste em voltar-se para a norma de Portugal, desconsiderando o uso brasileiro do português. Ele afirma também que esta insistência serve muito bem à manutenção da diferença entre as classes sociais, uma vez que a “dificuldade do português” justificaria que poucos soubessem dominá-lo. É como se a metáfora da mitologia lingüística se aplicasse novamente, transformando o “saber língua” (que na verdade é confundido com “saber gramática”), em um conhecimento “místico” inacessível, ao qual somente alcançam uns poucos “iluminados” teriam acesso.

No quarto capítulo, o livro desfaz a idéia de que “pessoas sem instrução falam tudo errado”. A troca das consoantes “l” e “r”, por exemplo, presente nas formas: “Cráudia”, “praca” e “pranta”, que se desviam da norma da escola, da gramática e do dicionário, são marcas de um fenômeno fonético chamado rotacismo, o mesmo que transformou as palavras latinas “plaga”, “obligare” e “sclavu” respectivamente em “praga”, “obrigar” e “escravo”, por exemplo. Obviamente não se trata de deficiência mental dos falantes brasileiros, como pregam alguns radicais do preconceito lingüístico. É uma tendência natural, já que estas consoantes são aparentadas, e o ensino, ao invés de ridicularizar as pessoas que usam estas formas em sua língua oral, deveria contribuir para que a criança aprendesse a forma padrão (a qual muitas vezes lhe é totalmente estranha), mas sempre numa perspectiva de “adição”, não de “suplantação irracional de suas próprias origens”. Sendo uma tendência inerente à língua, as pessoas falantes destas variantes não-padrões só são estigmatizadas pela sociedade devido ao preconceito por estarem fora do âmbito lingüístico, residindo, portanto, em questões unicamente sociais. Por fim, o autor chama também a atenção da mídia, que propaga em suas novelas, por exemplo, uma variedade totalmente pitoresca do dialeto nordestino, caricata, o que contribui para a estigmatização deste.

O quinto mito parece, mais uma vez, ter a mesma origem: “O lugar onde melhor se fala português é o Maranhão”. Ou seja, mais uma vez a adequação às normas de Portugal é tratada como necessária. Mostrando que o português de Maranhão possui seus desvios, o autor comprova que não existe variedade “melhor”, “mais pura”, “mais bonita”, ou “mais correta” do que outra, assim como o português falado em Portugal não possui nenhum destes atributos em relação ao do Brasil. Trata-se, mais uma vez, da questão da variabilidade à qual todas as línguas estão intrinsecamente sujeitas.

“O certo é falar assim porque se escreve assim”. Este sexto mito diz respeito à supervalorização da ortografia na língua oral. O autor ressalta neste capítulo que a ortografia não passa de uma convenção, aplicável apenas à língua escrita, e que, portanto, não faz o menor sentido tentar estendê-la à oralidade. Por mais elaborados que sejam os sistemas ortográficos, eles não têm subsídios para fazer uma representação totalmente fiel a uma língua.

O sétimo mito é um dos quais as pessoas menos discordam: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Comprovadamente falando, não há nada a favor da gramática tradicional nesse sentido. Pelo contrário, sabe-se que a grande dificuldade em seguir as suas prescrições, gerada no ensino, acaba por inibir muitos escritores. Neste capítulo, Bagno também discorre sobre a relação entre a gramática e a norma culta. Ele elucida que objetivo verdadeiro da gramática seria descrever a língua, e não tentar ditar seus rumos: Se a própria língua falada pelas pessoas cultas da atualidade não segue os rígidos padrões da gramática normativa tradicional à risca, seria necessário refazê-la, de forma a acompanhar a língua verdadeira.

O oitavo e último mito tem o seguinte título: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Humoradamente, Bagno diz que “os professores ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país” (p. 69) se isso fosse verdade. Retomando a idéia de que tratar da língua é tratar de política, ele diz que na verdade a questão das diferenças de classe jamais poderia ser resolvidas apenas com o ensino de uma língua padrão, e acreditar nisso é ingenuidade ou cinismo, uma vez que a questão está na verdade muito mais ligada às relações de poder existentes no país.

Numa segunda parte, Bagno retrata o ciclo vicioso formado por três elementos responsáveis pelo preconceito lingüístico: a gramática normativo-prescritivista, o ensino tradicional e os livros didáticos. É um ciclo que se inicia quando a escola se apóia na gramática tradicional para desenvolver sua metodologia, o que gera a indústria do livro didático, perpetuadora desta tradição. Segundo Bagno, um quarto elemento agrava a situação: o dos chamados “comandos paragramaticais”, grupos de gramáticos que vendem seu conhecimento da gramática normativa em diversos meios de comunicação, valendo-se das opiniões classificadas por Bagno como “mitos”, para se fazer de “fonte de solução dos problemas da língua”. São posturas que estão completamente permeadas por preconceito lingüístico, de forma que o autor dedica os próximos três capítulos aos autores: Napoleão Mendes de Almeida, Luiz Antônio Sacconi e Dad Squarisi, a fim de mostrar o quanto suas opiniões estão em desacordo com a Lingüística moderna.

A terceira parte é reservada à desconstrução do preconceito lingüístico. O primeiro passo reside no reconhecimento da crise. Professores contemporâneos já reconhecem que gramática tradicional já não serve como único instrumento de ensino, e que o ensino de

língua portuguesa encontra-se em um momento sensível, porque não há material didático que substitua ou complemente essa gramática a fim de permitir o ensino da norma culta. Bagno então retoma uma idéia lançada na desarticulação do sétimo mito, “o que é e onde está essa norma culta?” (p. 105), e, recorrendo a três argumentos, mostra que esta é algo reservado a poucas pessoas no país: Primeiro devido à grande quantidade de analfabetos plenos e funcionais existentes aqui. Segundo devido ao fato de grande parte das pessoas escolarizadas não ter a prática da leitura e da escrita inserida em seus hábitos, por razões histórico-culturais. E terceiro porque a concepção de norma culta feita pela gramática normativa não corresponde (como dito na explicação sobre o primeiro mito) a nenhuma modalidade da língua real usada no Brasil, nem mesmo à praticada pelas pessoas cultas. Trata-se, na verdade, de um ideal atado ao português de Portugal, à opção estilística de grandes escritores do passado, à proximidade com a gramática latina ou até mesmo ao gosto pessoal do gramático.

Bagno afirma que é necessária a criação de uma nova gramática brasileira, que atente para a verdadeira norma culta falada no Brasil. Enquanto esta não for criada, as pessoas precisam de uma mudança de atitude. Usuários comuns da língua precisam rejeitar que a prescrição ilógica da gramática tradicional menospreze seu saber lingüístico, e professores precisam assumir uma postura reflexiva perante o ensino de língua, pondo em dúvida, em investigação e levantamento de hipóteses todas as diferenças entre o que a gramática prega e a língua culta realmente usada no país.

Ao aprofundar-se na atividade investigativa do professor, o autor questiona então “o que é ensinar português.” Segundo ele, quando uma pessoa aprende a dirigir, ela não tem que saber o funcionamento do motor de seu carro para ser uma boa motorista, sendo que o mesmo vale para o ensino da língua: os alunos precisam tornar-se usuários competentes de sua língua materna, não conhecedores das minúcias de seu funcionamento, as quais quem tem que conhecer é o instrutor, o técnico da área.

Uma outra noção que precisa ser esclarecida diz respeito ao erro. O autor explica que é comum o equívoco de classificar “erro de ortografia” como “erro de português”. Já tendo discorrido algo sobre a ortografia no sexto mito, ele ressalta que a ortografia é uma convenção cujo rompimento dificilmente prejudica a gramaticalidade de um enunciado. Em outras palavras, os erros verdadeiros estariam na produção de enunciados que  desrespeitassem a aceitabilidade, o que os falantes raramente fazem. Diz-se então que, em contrapartida, com a eliminação do conceito de erro, haveria então um total descaso com a língua, uma situação de “vale-tudo”. O autor resolve o questionamento explicando que a língua é um acervo do qual se pode retirar a palavra para qualquer ocasião, tudo depende “de quem diz o quê, a quem, como, quando, onde, por quê e visando que efeito” (p.131). A tal “paranóia ortográfica” dos professores mostra-se então injustificada, porque o conhecimento da ortografia não possui uma relação direta com o conhecimento da língua. É a qualidade do que é dito (em todos os sentidos) que deve ser analisada.

Para a subversão do preconceito lingüístico, Marcos Bagno sugere que algumas medidas sejam tomadas pelos professores. A primeira delas é a tomada de consciência, para que, além de terem uma formação sólida, os professores de língua estejam sempre informados, rejeitando a abordagem tradicional de ensino, que preza a repetição, em favor de uma posição científica, investigadora e produtora de conhecimento. Uma segunda medida, mais técnica, seria transformar a prática de ensino dentro da sala de aula, que se não for desprender-se totalmente da gramática prescritiva, que pelo menos a questione exaustivamente com os alunos. A terceira medida seria mostrar aos pais de alunos, diretores e donos de escolas que as ciências avançam, e que com a ciência da língua isso não é diferente. Em quarto lugar, Bagno exibe dez importantes noções “para um ensino de língua não (ou menos) preconceituoso”: as dez cisões, uma orientadora síntese dos pontos que ele elucidou ao longo da obra.

Na quarta parte de seu livro, Marcos Bagno discorre sobre o preconceito contra a Lingüística e os lingüistas, fazendo um contraponto com outras áreas de estudo.



Finalização:


Considerando um pouco mais sobre as abordagens com os educandos, nesta perspectiva, salientamos que é preciso transmitir à criança o conceito de que há  uma forma ortográfica, se ela não sabe, deverá procurar aprendê-la. No entanto, este fato não impede a criança, tão logo conheça as letras de começar a escrever textos, sabendo, é claro, que muitos erros ocorrerão, mas que o mais importante é o saber ler e escrever e que a correção ortográfica ocorrerá pelo ensino/aprendizagem.

 Muitas práticas reduzem o ato de escrever à associação de letras a sons, estimulando a fixação de normas ortográficas sem processo de reflexão que discuta as razões que levam a grafar uma palavra de uma determinada forma e não de outra.  Considerando a escrita como espelho da fala, o ensino artificializa a oralidade, negando a existência de convenções presentes no sistema de escrita da Língua Portuguesa.

A orientação do ensino da língua escrita não está estritamente vinculada às leis da fala, mas às leis que dizem respeito ao código escrito. A compreensão das leis do código escrito pode ser estimulada se o professor propuser atividades em que as crianças venham a refletir sobre o conjunto de arbitrariedades produzidas pelos gramáticos para padronizar a escrita que conhecemos nos dias de hoje. Contudo, a valorização do educando e o respeito de sua singularidade e aspectos sócio-culturais deverão guiar todas as intervenções com este.