19 de junho de 2012

Mentiras Consagradas

Marcos Bagno de uma forma um tanto quanto engraçada fala sobre ensinar gramática na escola.

Em nenhum lugar de sua obra Darwin afirma que “o homem descende do macaco”. O que ele, sim, afirma é que o homem e os demais primatas têm um ancestral comum. No entanto, a formulação distorcida e grosseira serviu de mote para todas as campanhas do fundamentalismo religioso na época de Darwin e também na nossa (o abominável Bush Jr. defendia o “criacionismo”). Assim, uma sofisticada e elegante teoria sobre a evolução dos seres vivos foi (e é) reduzida a um axioma que seu autor jamais proferiu.

Hoje, no Brasil, acontece coisa semelhante com relação às novas concepções de ensino de língua na escola. Uma teoria igualmente sofisticada e elegante, a sociolinguística, é estupidamente deturpada pelos que não conseguem apreendê-la ou, conseguindo, não querem aceitá-la. Nenhum linguista nem sociolinguista sério afirma que “não é preciso ensinar a norma culta” (“norma culta” que é, de fato, um construto ideológico porque ninguém consegue defini-la com exatidão). No entanto, é essa formulação obtusa que aparece na voz e na pena dos supostos especialistas e, pior ainda, dos nada especialistas que se apegam a um modelo idealizado de “língua certa” que eles mesmos, se pressionados, não sabem dizer o que é. Mais grave ainda: eles mesmos cometem ao falar e ao escrever diversos “erros” que a tradição normativa rejeita, mas que, por estarem já plenamente enraizados na língua falada pelas camadas dominantes, não são vistos como “erro”. Ou seja: para os amigos tudo, para os inimigos, a lei. E os inimigos, no caso, são os milhões e milhões de brasileiros que não pertencem à ínfima elite letrada — 75% deles, segundo as pesquisas do INAF, realizadas há dez anos, sobre o grau de letramento e numeramento dos brasileiros.

Em recente entrevista dada a uma emissora de rádio, a sociolinguista e educadora Stella Maris Bortoni-Ricardo, pioneira na área da sociolinguística educacional em nosso país, assim se expressou: “sou favorável à discussão da variação linguística na escola, mas insisto em que é preciso que professores e alunos estejam bem informados sobre o valor sociossimbólico das variantes, ou seja, quando falamos temos de levar em conta as expectativas de nossos interlocutores. ‘Nóis pega o pexe’ é uma forma adequada na situação de fala em que ela for bem recebida pelos nossos ouvintes. Se eles têm a expectativa de ouvir ‘Nós pegamos o pexe (ou peixe)’, então devemos usar essa segunda variante. Os alunos precisam saber disso para circular com desenvoltura em qualquer ambiente e desempenhar com segurança qualquer papel social que se apresentar a eles”.

Pergunto: onde está dito aí em cima que “não é preciso ensinar a norma culta”? Somente na cabeça poluída ideologicamente dos que, pensando defender a “língua certa”, estão de fato defendendo uma concepção de “certo” semelhante à que só considera “certo” o cristianismo, o machismo, o racismo e outros terrorismos psicológicos da mesma laia. Ou seja: coisas de Bolsonaro.

Leia mais: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=1490

Nenhum comentário:

Postar um comentário