Marcos Bagno
O ensino da língua portuguesa nos últimos anos vem sendo objeto de muita reflexão teórica e de muitas sugestões praticas, um esforço para transformar as aulas de português num verdadeiro instrumento de inclusão social, de democratização do saber e de acesso a cidadania plena.
As
pesquisas apesar das diferenças de abordagens, todas elas mostram uma mesma
conclusão: o modo tradicional de ensino de língua não atende as reais
necessidades do individuo aprendiz e nem
responde as demandas mais amplas da sociedade, no que diz respeito ao domínio
da leitura e da escrita e a formação cultural e intelectual dos cidadãos. Sendo
assim uma pergunta pertinente vem orientando as novas propostas do ensino de
português: Quais os objetivos do ensino
de língua na escola?
As
respostas é que as concepções de ensino e as praticas pedagógicas devem acompanhar
as transformações da sociedade. A sociedade brasileira dos dias de hoje apresenta
características muito diferentes das relações sociais anteriores. Só o aumento
da população tem provocado alterações nessas características sociais. Hoje
somos mais de 175 milhões de habitantes. Além disso , o Brasil foi durante
muitos anos um pais essencialmente rural , onde a grande maioria da população vivia nas áreas
de cultivo agrícola ou em vilarejos e pequenas cidades e hoje 80% população
vive nas cidades. Com isso, a escola brasileira que durante muito tempo teve
como clientela os filhos das classes altas e medias, se viu obrigada a atender
as demandas educacionais de uma população urbana cada vez mais maior e
heterogênea. Sendo assim os alunos que frequentavam a escola eram falantes da
variedade linguística urbanas, eram filhos de pais que sabiam ler e escrever e
tinham acesso a livros e outras fontes de cultura letrada. Com isso muitas
perguntas surgiam do tipo: o que fazer com as escolas que abria suas portas
para uma população de antecedentes rurais? Para filhos de pais analfabetos,
crianças variedades do português brasileiro muito distante daquele modelo de língua “certa” cultivada pelas classes
sociais urbanas? Para responder a essas perguntas pesquisadores passaram a
investigar as salas de aula de língua portuguesa. Então começaram alevantar
vários aspectos problemáticos, verdadeiros obstáculos para um ensino de língua
eficiente e relevante socialmente.
Do
que estamos tratando quando nos referimos ao “modo” tradicional de ensino de língua? Na verdade estamos falando
de um conjunto de crenças e atitudes. O ensino tradicional sempre procurou “reformar” ou “consertar” a língua do aluno. A pedagogia, por exemplo, tinha como
objetivo ensinar um modelo idealizado de língua, um conjunto de regras
extremamente padronizadas, ou seja, caracterizado como norma padrão . Assim a pedagogia tradicional, a o invés de criticar
o modelo e ajustá-lo a realidade, se esforçava para eliminar da língua dos
aprendizes todos os usos diferentes daqueles que vinham codificados na norma
padrão. Assim tudo o que era diferente passava a ser classificado de erro.
O
aluno era visto como uma espécie de “deficiente
linguístico”, a língua falada pelos alunos principalmente de pais
analfabetos ou de antecedentes rurais, era “toda errada”. Os preconceitos vigentes na sociedade brasileira
considerava que a língua que aquelas crianças falavam era um português
“esteriotipado”, uma “língua de índio”, ou simplesmente “não era português”.
Portanto cabia a escola suprir aquela “deficiência”, fazendo o aluno se
apoderar da língua “certa”, da língua “bonita”, que só a escola poderia
oferecer.
Com isso não se tratava de uma “língua”
no sentido cientifico, mas sim de um ideal de língua de uma abstração, muito
distante dos usos linguísticos reais.
Esse ideal de língua recebe o nome de norma culta, visando caracterizar para
classe elitista, uma vez que se considerava culto “culto”, aquilo que vem de determinadas classes sociais. “Português”, então deixa de ser a língua
que todos os brasileiros falam, com suas múltiplas variedades regionais, sociais
e estilísticas, e passa a ser um rotulo usado para designar apenas as regras
submetidas ao processo de padronização.
A pedagogia tradicional conscientiza que o
primeiro dia de aula de português de uma criança é como se fosse também o
primeiro dia de contato dessa criança com a língua, como se não tivesse nenhum
conhecimento desta. Isto não tem menor fundamento ,pois todos sabem que
crianças entre 6 e 7 anos de idade, já domina completamente a gramatica de sua
língua materna, já conhece intuitivamente as regras de funcionamento de sua
língua, e que ela foi aprendendo e internalizando em seus primeiros anos de
vida no convívio com seus familiares e sua comunidade. A escola tradicional ao
invés de aproveitar deste vasto conhecimento prévio que a criança traz para a
sala de aula, assume atitude contraria: despreza ao saber linguístico
intuitivo, internalizado, e passa agir como se a criança não tivesse nenhuma
noção do funcionamento da língua.
Todas
essas crenças e atitudes do ensino tradicional da língua portuguesa se sustenta numa concepção ultrapassada de língua, sendo muito antiga,
tem mais de dois mil anos de existência, e surgiu no mundo de cultura grega 300
anos antes de Cristo, sendo assim foi criada a própria disciplina chamada
gramatica. Os primeiros gramáticos quiseram fixar um modelo de língua “certa”,
para isso tiveram de fazer algumas escolhas. Antes de qualquer coisa, trata-se
de uma abstração, de um modelo que não tem correspondentes na realidade dos
usos da língua. Isso quer dizer que na pratica ninguém fala a norma padrão.
Essa impossibilidade de realização concreta
desta norma se deve a um fato muito simples: a norma padra busca
homogeneidade e não existe nenhuma língua viva no mundo que seja homogênea. A
norma padra tenta criar um comportamento linguístico uniforme, enquanto que a
ciência linguística moderna trabalha com a noção heterogeneidade das línguas,
diante da constatação de que toda língua é variável, isto é, de que toda e
qualquer língua apresenta varias maneiras distintas de dizer a mesma coisa, e
que cada uma dessas maneiras diferentes esta relacionada com fatores sociais,
culturais, históricos, além de fatores individuais como grau de escolarização,
contexto de interação, pressão psicológica, repertorio estilístico etc.
A
norma padra ove como modelo a serem imitados os grandes escritores da língua.
Assim a pedagogia tradicional impôs a si mesma um objetivo praticamente
inatingível: transformas seus alunos em grandes artistas do idioma, em poetas,
romancistas, e dramaturgos. Diante das dificuldades de realizar essa missão, a
escola sempre se mostrou extremamente frustrada. A opção pela língua escrita
literária se baseia, desde a Antiguidade, numa atitude de desprezo pela língua
falada. Comparando, de um lado, uma obra literária, onde a língua aparece bem
organizada em frases e parágrafos coerentes, com vocabulário sofisticado,
pontuação empregada de maneira eficiente etc. Do outro lado a língua falada,
com suas hesitações, repetições, frases interrompidas, suas precisões no uso do
vocabulário, os gramáticos antigos chegaram a conclusão totalmente falsa, de
que só a língua escrita obedecia as regras, na opinião deles a língua falada
era “caótica”, “desorganizada”. Hoje sabemos que a língua falada é tão logica
quanto a língua escrita e esta sujeita a tantas regras gramaticais quanta as
que aparecem na escrita. Além de que as
regras que vigoram na escrita tendem a
ser mais conservadoras, demoram a acompanhar as transformações inevitáveis que ocorrem na língua falada.
BAGNO,M (2009). Os objetivos do
ensino de língua na escola: uma mudança de foco. São Pulo. Contexto.
COELHO. Ligia Marta (2009).
Língua materna nas series iniciais do Ensino Fundamental: de concepções e suas
praticas. Petrópolis, RJ: Vozes.
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