19 de junho de 2012

Por que ( não) ensinar gramática na escola.



POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, Mercado de Letras, 1996, 95 p.
Na escola, as práticas mais relevantes serão, portanto, escrever e ler.” (p. 48).


Esta obra de Possenti fisga o leitor desde o início: o não expresso no título, mesmo encoberto pelos parênteses, chama a atenção e desperta a curiosidade. Afinal, devemos (ou não) ensinar gramática na escola?


A pergunta não é nova e persegue os professores principalmente depois que as aulas de Linguística passaram a fazer parte do currículo do curso de Letras, em 1962. Para respondê-la, Possenti reúne alguns textos já publicados, trabalhos apresentados em congressos e reflexões resultantes de palestras para professores e alunos.

Quanto aos textos, revemos “Gramática e política”, publicado na Revista Novos Estudos Cebrap, em 1983, e incluído na obra de J. W. Geraldi, O texto na sala de aula. Com nova versão e em co-autoria com Rodolfo Ilari, esse texto foi publicado pela Secretaria da Educação como “Português e ensino de gramática”, em 1985. Em um seminário do GEL (Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo), Possenti participou de uma mesa redonda com o texto “Para um novo perfil do professor de português”.
 Essa apresentação da obra mostra-nos o percurso do autor no tema, revelando um posicionamento que se foi firmando gradativamente. Refletindo sobre o tema há dez anos, o autor percebe que o interesse das pessoas por essa discussão se mantém, até porque o ensino da gramática classificatória ainda polariza a atenção nas aulas de língua materna, o que justifica a publicação desta obra.

O livro divide-se em duas partes:

1.) apresentação de dez teses que corroboram a posição do autor em relação ao ensino de língua materna;


2.) discussão de teorias linguísticas relevantes para esse ensino.

 A primeira tese proposta pelo autor lembra que a escola não pode esquecer-se de seu papel no tocante ao ensino de língua materna: ensinar o português padrão. “Qualquer outra hipótese é um equívoco  político e pedagógico.” (p. 17)

Lembrando que, do ponto de vista cognitivo, o falante pode dominar vários registros linguísticos, só é difícil ensinar o português padrão a alunos das classes socioculturais desfavorecidas, cujo contingente vem aumentando desde a década de 60, quando a escola passou a acolher cada vez mais um enorme número de pessoas advindas de classes sociais sem a menor desenvoltura na modalidade linguística  prestigiada. Isso decisivamente criou uma nova realidade nas salas de aula, cada vez mais marcadamente heterogêneas do ponto de vista linguístico, em função dos níveis socioculturais diferenciados. Essa heterogeneidade vaza para todas as outras linguagens: diferentes modelos de comportamento, diferentes concepções de mundo, diferentes escalas de valores, diferentes formas de atuação no mundo, etc. Assim, uma das formas de alcançar o domínio da norma padrão pode ser a ênfase na escrita e leitura com frequência, também nas aulas de português. As atividades de ler e escrever devem frequentar assiduamente a aula de língua materna, não devendo ficar apenas como tarefa extraclasse.

Essas primeiras reflexões conduzem ao raciocínio de que as crianças, mesmo aquelas com menos condições materiais, aprendem línguas e vêm para a escola com alguns procedimentos comunicativos bem-sucedidos. É mister, portanto, que o professor considere esse conhecimento prévio e não insista em ensinar aquilo que o aluno já sabe, pois isso criaria, no mínimo, uma desmotivação pela aprendizagem.

Em relação a alunos já alfabetizados, devemos também ensinar apenas o que eles ainda não sabem e insistir nisso. Claro que acatar esse método implica realizar uma alteração no conteúdo programático nas várias séries, normalmente definido de forma estática e prefixada. 


 Outra tese do autor enfatiza que “não há línguas fáceis ou difíceis”. (p. 25) Esse difundido dogma tende a justificar o português, considerado uma língua difícil. Ora, as diversas línguas são diferentes, mas não é possível dizer que umas são simples e  outras complexas.


Como a Antropologia, a Linguística já provou ser insustentável a relação entre primitivo e civilizado, o que significa que não há línguas simples e outras complexas. É preciso, apenas, que os professores divulguem essas pesquisas, pois “essa revolução copernicana, no domínio das línguas, ainda não se tornou conhecida do grande público...” (p. 26)

Esse mesmo raciocínio vale para os diversos dialetos: não há dialetos simples e outros complexos. Em consequência, o professor não pode adotar uma atitude de desprezo frente a registros linguísticos de menor prestígio social.

 A próxima tese explora o fato de que, no Brasil, produziu-se uma ideia de que os brasileiros não falamos bem o português, maculando a língua casta (!) que Portugal nos deu. Essa construção histórica promove um apagamento, fazendo com que nos esqueçamos de que, na verdade, “falamos mais corretamente do que pensamos” (p. 41), outro aspecto defendido pelo autor, sendo os tipos de erro bem menores do que a quantidade de erro.
Duas outras constatações do autor: “não existem línguas uniformes” (p. 33) e “não existem línguas imutáveis”. (p. 37) Um exemplo para a dinâmica das línguas é o futuro do indicativo, hoje quase sempre representado pelo verbo ir mais infinitivo: vou andar, em vez de andarei. Mesmo as pessoas cultas conjugam dessa maneira, prevalecendo a forma andarei apenas para a linguagem escrita formal. A busca de um padrão efetivamente usado na linguagem hodierna deve conduzir ao texto jornalístico ou científico.


“Haveria certamente muitas vantagens no ensino de português se a escola propusesse como padrão ideal de língua a ser atingido pelos alunos a escrita dos jornais ou dos textos científicos, ao invés de ter como modelo a literatura antiga. Falo em literatura antiga porque, na moderna, se nós a lêssemos, encontraríamos muitas formas condenadas pelas gramáticas. Seria certamente ridículo que Resenhas. condenássemos alunos por não utilizarem corretamente o verbo haver, e depois lêssemos na aula o célebre poema de Drummond que começa assim: ‘No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho...’. Ou, mesmo que o prestígio literário do autor não seja igual ao de Drummond, seria estranho condenar um aluno por escrever (ou falar) como Chico Buarque: ‘Tem dias que a gente se sente/ como quem partiu ou morreu...’ ” (p. 41)

  Outra constatação que atinge diretamente os métodos de ensino diz respeito ao processo de aquisição linguística: as crianças aprendem a língua em situações “práticas efetivas, significativas, contextualizadas” (p. 47), nas quais é importante fazer-se entender pelo outro e entender o que o outro diz. Há uma prioridade ao caráter funcional da linguagem. Isso mostra que “(...) não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas” (p. 47), e as correções, embora presentes, não ocorrem por meio de exercícios. E novamente o autor enfatiza: “Na vida, na rua, nas casas, o que se faz é falar e ouvir. Na escola, as práticas mais relevantes serão, portanto, escrever e ler.” (p. 48).

Sobre ensinar língua ou gramática, o autor refuta o argumento surrado de que é importante ensinar gramática porque os vestibulares e concursos incluem-na em suas avaliações. Seguramente, esse procedimento tem sido paulatinamente alterado e a redação vem sendo cada vez mais exigida. Além disso, se é importante saber gramática, o conhecimento dos termos técnicos talvez só interesse ao especialista.

É perfeitamente possível aprender uma língua sem conhecer os termostécnicos com os quais ela é analisada.” (p. 54) Finalmente, o autor considera que só é possível criar outras propostas de ensino de língua materna se houver uma crença e engajamento dos professores na criação de novas soluções. “Qualquer projeto  que não considere como ingrediente prioritário os professores – desde que estes, por sua vez, façam o mesmo com os alunos – certamente fracassará.” (p. 56).

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