26 de junho de 2012

Linguística e ensino da língua materna: o que se deve esperar dessa parceria?

Rodolfo Ilari (Unicamp)

A alfabetização, a produção de textos e a leitura são atividades básicas do ensino de língua materna, e são também questões que a Linguística ajudou a repensar e reformular, nos últimos anos, confirmando que a parceria Linguística-Ensino é benéfica. Essa parceria foi construída pacientemente, e passou, por parte dos linguistas, por diferentes formas de colaboração: na década de 1970, o linguista que se interessava pelo ensino do português preocupava-se, no máximo, em apresentar em linguagem acessível aos professores de língua materna os conceitos científicos que ele considerava pedagogicamente relevantes.

Num momento particularmente fecundo da parceria linguística/ensino, que podemos situar no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990, aparecem obras que delineiam concepções de ensino lastreadas em concepções da linguagem de cunho interacionista e cognitivista. Vistas as coisas por outro ângulo, houve também um grande envolvimento prático, alguns grandes linguistas estiveram à frente de importantes projetos pedagógicos (por exemplo, João Wanderley Giraldi respondeu em vários estados do Brasil, por projetos que levaram um ensino diferenciado a alguns milhões de crianças e adolescentes); outros escreveram livros didáticos diferenciados (Mary Kato e Flávio di Giorgi, Milton do Nascimento, José Luiz Fiorin e Francisco (Platão) Savioli, Ana Luíza Marcondes Garcia e Maria Betânia Amoroso); outros ainda (caso particularmente de Maria Bernadete Abaurre e Sírio Possenti) participaram da criação de novos formatos para os vestibulares de algumas grandes escolas e para a formação de seus corretores, e assim contribuíram para criar referências e mão de obra qualificada para alguns processos de avaliação de alcance nacional e de grande visibilidade, como o Exame Nacional de Cursos (o "Provão") e o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).

A Linguística tem trabalhado no sentido de valorizar os usos reais e de tomar a língua falada pelos educandos como ponto de partida para o aprendizado da língua escrita culta; a mídia tem trabalhado, no sentido de estigmatizar as formas populares, aprofundando o hiato. E nesse fogo cruzado está o professor de português que, honestamente interessado em proporcionar o melhor a seus alunos, hesita entre uma e outra linha de conduta

O sentido deste texto foi mostrar que ele tem razões de peso para optar pela proposta da Linguística, se quiser. Muita coisa mudou desde os anos 1960, quando a Linguística, despontou no contexto cultural brasileiro com um discurso que procurava desqualificar as práticas pedagógicas vigentes, mas pouco tinha a oferecer em troca. Nos últimos quarenta anos foi acumulada uma quantidade impressionante de informações sobre a língua que se fala neste país, sua diversidade, sua história. Nesse contexto mudado, o debate se coloca hoje de maneira muito mais clara como uma escolha entre duas atitudes opostas: é possível abrir os olhos para a realidade linguística, compreendê-la a fundo, aceitá-la e trabalhar a partir dela, assim como é possível fechar os olhos à realidade, decidindo dogmaticamente como ela deveria ser. A opção da Linguística tem sido pelo conhecimento do que existe e pela superação do preconceito.

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